
Até há pouco tempo, o ar condicionado era considerado um artigo de luxo. Hoje, ele ainda não é acessível a muitas famílias e empresas no Brasil e no mundo, principalmente devido ao alto custo de aquisição e aos gastos significativos com energia elétrica. Há também um motivo ambiental para a resistência ao seu uso: a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) durante sua fabricação e, principalmente, operação. Na França, por exemplo, existe uma notável resistência ao uso generalizado de ar condicionado, reflexo dessa preocupação ambiental.
No entanto, em determinadas condições climáticas, o ar condicionado passou a ser uma necessidade vital. Em ambientes com alta temperatura de bulbo úmido – que combina calor e umidade –, a refrigeração natural por ventilação não é suficiente para garantir a sobrevivência humana. Nesses cenários, o corpo não consegue mais se resfriar eficientemente pela evaporação do suor, tornando o resfriamento ativo, como o proporcionado pelo ar condicionado, essencial para a saúde e a vida. Cientistas apontam que uma temperatura de bulbo úmido acima de 35°C é o limite teórico para a sobrevivência humana por mais de algumas horas, mas os riscos à saúde começam bem antes, em torno de 30°C a 32°C, especialmente para populações vulneráveis.
Impacto Ambiental: Produção de AC vs. Consumo Familiar
A curiosidade sobre o impacto ambiental real de um aparelho de ar condicionado e sua comparação com outras fontes de emissão revela dados impressionantes:
- A produção e o transporte de uma unidade de ar condicionado (considerando uma vida útil média de 10 anos) geram uma emissão de GEE de aproximadamente 23 kg de CO2 equivalente (CO2e). Este valor refere-se especificamente à fase de fabricação e transporte do equipamento.
- As emissões de GEE associadas ao estilo de vida e consumo de uma família são significativamente maiores. No Brasil, as emissões brutas per capita foram de 11,4 tCO2e por pessoa em 2022, abrangendo todas as emissões do estilo de vida, incluindo transporte, moradia, bens, serviços e as grandes emissões de mudança de uso da terra e agropecuária que são imputadas ao país como um todo. Para uma família de 4 pessoas, isso pode significar:
- Estimativa mais abrangente: 456 tCO2e em 10 anos.
- Estimativa focada em consumo individual (excluindo mudança de uso da terra): 240 tCO2e em 10 anos.
É, de fato, impressionante como a emissão da produção do aparelho (0,023 tCO2e) é milhares de vezes menor do que o gasto com o estilo de vida de uma família de 4 pessoas durante o mesmo período (240 a 456 tCO2e). Essa comparação destaca que, embora todos os setores tenham sua parcela de responsabilidade, a cadeia alimentar e o estilo de vida geral de uma família têm um impacto desproporcional nas emissões totais de GEE.
Explico aqui que as emissões com mudanças no uso da terra (MUT) referem-se principalmente ao desmatamento, às queimadas e à conversão de ecossistemas naturais (como florestas e cerrados) para outros usos, como pastagens e lavouras. No Brasil, grande parte dessas emissões deveriam ser contabilizadas nas emissões da agropecuária, já que o setor é o grande responsável pelo desmatamento e queimadas. Isso se deve a metodologias internacionais padronizadas, como as do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que separam as emissões diretas da agropecuária (como metano de rebanhos ou óxido nitroso de solos agrícolas) das emissões resultantes da alteração do estoque de carbono no solo e na biomassa devido à mudança de uso da terra.
Essa separação metodológica pode gerar uma percepção equivocada ou subestimada do real impacto da agropecuária nas emissões totais do país. As emissões desse setor e as emissões de Mudanças no Uso da Terra (MUT), quando combinadas, essas duas categorias respondem pela maior parte das emissões brutas de GEE no Brasil, ultrapassando 70% do total em diversos anos (por exemplo, 74% em 2023), o que ressalta a intrínseca ligação e a responsabilidade conjunta desses setores na pegada de carbono do país.
O Caminho à Frente: Soluções Sustentáveis para o Ar Condicionado
Diante da necessidade crescente e do impacto ambiental, o melhor caminho é desenvolver e adotar aparelhos com tecnologias menos poluentes. Isso inclui:
- Alimentação por Energia Solar em Corrente Contínua (DC 12V ou 24V): Esta é uma solução inovadora e sustentável. Ao operar diretamente com a energia dos painéis solares em DC, elimina-se as perdas de conversão de DC para AC (e vice-versa), aumentando a eficiência geral do sistema e reduzindo drasticamente as emissões operacionais, pois a energia vem de uma fonte renovável. Embora 12V seja mais comum para pequenos sistemas ou veículos, sistemas residenciais podem operar em 24V, 48V ou até 96V DC para otimizar a distribuição de energia.
Implementar essas soluções é fundamental para transformar o ar condicionado, de um “vilão” ambiental em potencial, em uma ferramenta sustentável para garantir o conforto e a saúde em um mundo em aquecimento.
Referências:
- Calor pode matar? Entenda o bulbo úmido e os limites de temperatura do corpo – Exame
- Assunto principal: Explica o conceito de temperatura de bulbo úmido e sua relevância para a saúde humana em ondas de calor.
- URL: https://exame.com/ciencia/calor-pode-matar-entenda-o-bulbo-umido-e-os-limites-de-temperatura-do-corpo/
- Em alguns locais, calor e umidade já atingem limites da tolerância humana – IBDSocial
- Assunto principal: Discute como a combinação de calor e umidade pode se tornar perigosa.
- URL: https://ibdsocial.com.br/noticia/em-alguns-locais-calor-e-umidade-ja-atingem-limites-da-tolerancia-humana
- Como a ciência tenta definir o limite do calor suportável – Nexo Jornal
- Assunto principal: Explora a temperatura de bulbo úmido como um indicador de estresse por calor, mencionando o limite de 35°C.
- URL: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/07/20/Como-a-ci%C3%AAncia-tenta-definir-o-limite-do-calor-suport%C3%A1vel
- Emissões de GEE no Brasil em 2023 – SEEG
- Assunto principal: Relatório anual do SEEG com dados atualizados sobre as emissões de GEE no Brasil por setor e per capita.
- URL: https://seeg.eco.br/
- Relatório Anual de Emissões 2023 – Observatório do Clima
- Assunto principal: Sumário executivo e dados do relatório do SEEG de 2023, com análises por setor, incluindo emissões per capita.
- URL: https://seeg.eco.br/conteudo/relatorio-anual-de-emissoes
- Ar Condicionado Solar: Tipos, Vantagens e Modelos – Portal Solar
- Assunto principal: Informações sobre o funcionamento e tipos de ar condicionado solar.
- URL: https://www.portalsolar.com.br/blog/ar-condicionado-solar
- Calor extremo: qual é a sensação térmica máxima suportada pelo corpo? – TecMundo
- Assunto principal: Aborda a temperatura de bulbo úmido como a sensação térmica máxima suportada pelo corpo.
- URL: https://www.tecmundo.com.br/ciencia/242205-calor-extremo-sensacao-termica-maxima-suportada-corpo.htm
- Tolerância humana a ondas de calor pode estar próxima ao limite – Superinteressante
- Assunto principal: Discute o limite de 35°C de bulbo úmido para o resfriamento do corpo humano.
- URL: https://super.abril.com.br/coluna/alexandre-ravagnani/tolerancia-humana-a-ondas-de-calor-pode-estar-proxima-ao-limite/