Esverdeando o parlamento.

Além da Representação: A Voz de Rousseau na Constituição de 88 e os Desafios Ambientais do Brasil

Você já parou para pensar que um filósofo do século XVIII pode ter influenciado diretamente a nossa Constituição Federal de 1988? É um fato pouco comentado, mas as ideias de Jean-Jacques Rousseau, especialmente sobre a soberania popular e a natureza da “vontade geral”, ecoam de forma surpreendente em nossa Carta Magna.

Embora nossa democracia se apoie majoritariamente na representação, a Constituição brasileira incorpora elementos rousseaunianos cruciais. Para Rousseau, “a vontade não se representa”. Por quê? Porque ele temia que, ao delegar poder, o representante pudesse agir por interesses particulares, e não pelo bem comum, traindo a verdadeira vontade coletiva. Essa apreensão é notável em nosso texto constitucional.

Nossa Constituição, buscando equilibrar o poder da representação e aproximar o cidadão das decisões, abraça mecanismos que permitem a manifestação direta da vontade popular:

  • O Plebiscito: Uma consulta prévia à população sobre temas de grande interesse. Sua decisão é vinculante para o legislador.
  • O Referendo: Submete um ato normativo já criado ao crivo popular para ser ratificado ou rejeitado.
  • A Iniciativa Popular: Permite que nós, cidadãos, proponhamos projetos de lei diretamente, através da coleta de assinaturas, levando a pauta para o debate parlamentar.

Esses instrumentos são a prova viva do ideal rousseauniano de uma participação cidadã mais ativa e direta na gestão pública.

A Grande Distinção: Vontade de Todos vs. Vontade Geral

Para entender a profundidade da influência de Rousseau, é crucial diferenciar dois conceitos-chave:

* Vontade de Todos (ou Vontade Particular): É a soma das vontades individuais, muitas vezes egoístas e heterogêneas – é o que cada um deseja para si.

  • Vontade Geral: Não é uma simples soma. É o interesse comum, o que todos deveriam desejar para o bem-estar coletivo da comunidade. Ela surge quando os interesses particulares se anulam, revelando o que é verdadeiramente bom para o conjunto social.

O Dilema Atual: O Campo, o Clima e a Vontade Geral

É exatamente nesta distinção que reside uma grande preocupação no cenário político brasileiro de hoje. Quando observamos a atuação de grupos de interesse com forte representatividade, como a bancada ruralista no Congresso Nacional – um grupo de parlamentares que frequentemente defendem os interesses do agronegócio –, a máxima “a vontade não se representa” ganha contornos alarmantes.

Por que alarmantes? Porque o agronegócio e as mudanças no uso da terra (como o desmatamento) são responsáveis por mais de 70% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no Brasil, segundo dados de instituições como o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

Isso nos leva a uma questão fundamental: a atuação de certos representantes reflete a Vontade Geral – o bem-estar coletivo, incluindo a sustentabilidade ambiental para as gerações presentes e futuras – ou está orientada por “causas próprias” e interesses setoriais (a Vontade de Todos)? Esse cenário reforça a apreensão de Rousseau de que os representantes podem desviar-se da busca pelo bem comum.

A Luta Ambiental: Um Resgate da Essência Constitucional

Por essa razão, a luta pela causa ambiental no Brasil é, na sua essência, também uma luta pelo resgate e efetivação da gênese rousseauniana da nossa Constituição. É um chamado para buscar a primazia da Vontade Geral e a verdadeira soberania popular na construção de um futuro que seja sustentável e justo para todos.

Por Tania Midori Yoshida

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